sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Relato de um marido de Bipolar

PALAVRAS DE UM MARIDO DE BIPOLAR

                  Estávamos juntos já há 8 anos, com um filho, fazendo poucos dias para o aniversário de um ano de casamento na igreja e com mais um filho de 9 dias de nascido, quando uma pessoa muito querida nossa faleceu.
                Minha esposa não sabia mais como comprar roupas, comida pois essa pessoa era como uma mãe para ela. Comprava tudo para nós. Fazia de tudo para não nos preocuparmos com nada.
                  Até então a bipolaridade não existia, pelo menos na teoria.
                 Quando esse fato aconteceu, da  perda, é  que primeiro começaram a surgir os medos, medo de  tudo. De sair, de querer ir no Hospital, de achar que ia morrer. 

(nota) : Normalmente a primeira grande crise notória de Bipolaridade, vem depois de um grande choque, ou decepção, ou ainda um acidente, coisas desse tipo.

                 Até então dava pra levar as coisas, conversar, pedir calma, paciência etc.
                 Pois bem. Começaram então as formas agressivas, primeiro com palavras e acusações, depois, com agressões físicas, ainda não tão violentas, até que um dia, com tanta raiva, ela sentiu que a agressão seria violenta contra mim e ela pediu que eu internasse numa clínica psiquiátrica. 
                Claro, na primeira vez eu neguei, tentei conversar e as coisas acalmaram, na segunda vez, eu ví que seria sério demais, pois a agressão (tentativa), seria com um ferro de passar roupas.
             Nesse dia, fomos no Phillipe Pinel, aqui no Rio de Janeiro, e graças a uma médica sensata, começou a fazer perguntas sobre a juventude, adolescência, infância, sobre a família. Opa! Família!!! 
               Quando a médica tocou no assunto de uma pessoa do sangue dela, ela disse imediatamente que a avó materna sofria de Esquizofrenia há muitos anos e se tratava. 
              Imediatamente a médica disse que possivelmente ela tinha características de uma pessoa bipolar.
             Claro, começamos a pesquisar na internet e descobrimos um  médico que era um expert no assunto, legal, e ainda atendia pelo nosso plano de saúde???? É esse mesmo.
                Chegamos lá, ele entregou uma ficha, com um monte de perguntas, passou uns “remedinhos” e achamos que com isso estava resolvido o problema. Doce ilusão!!!
               Só que esses “remedinhos”, deixavam ela em total estado de letargia, dormindo o dia inteiro, ou seja, uma total ausência de mãe para duas crianças, de esposa, de amiga, de companheira. LÓGICO, em momento algum por culpa dela, mas sim da doença, e claro, dos remedinhos.
                 Fomos algumas vezes lá, até que ela achou que estava curada, que não tinha necessidade de tomar mais remédio algum e resolveu largar todos de uma só vez.
            Lógico que o resultado esperado foi dos piores, primeiro por que JAMAIS se devem largar remédios desse tipo (tarja preta) de uma vez, e sim gradativamente, conforme orientação médica.
                 No começo, realmente parecia que ela estava curada.
                 Queria brincar, sair, beber... Euforia, a toda prova!! 
           Depois, lógico, retornam os medos, depressões, aí diz que quer se separar pois eu era o verdadeiro culpado de tudo, começa a ser agressiva com as crianças (lógico, por causa da doença!!!!). Graças a Deus, não teve nenhuma agressão física, somente verbal.
                E ainda bem (sem modéstias), tinha um pai e marido que explicava pro filho, que o problema dela era uma doença, que JAMAIS ela em sã consciência, faria aquilo com ele. E ele entendia, tanto que hoje, ele brinca com isso. Leva totalmente na esportiva, e principalmente AMA a mãe que tem.
                  Tentei conversar várias vezes, até que um dia consegui convencer a ir em outro médico. 
              Novamente recorremos ao Plano de  Saúde  e  achamos  um quase santo, que na primeira consulta, em vez de explicar a ela o que ela tinha, me explicou como EU tinha que proceder com ela. Tirou todos os remédios anteriores, que ela já não tomava mais, e manteve apenas um (Lítio), e compensou com outros. Só isso, de ele “perder tempo” explicando pra mim, um mero espectador, já foi maravilhoso, pois comecei a entender que nas horas de crise, JAMAIS tente enfrentar um bipolar, pois pode se tornar catastrófica a situação.
                Palavras como “Calma!”, “você tá louca!”, virar as costas depois de falar alguma coisa desse tipo, jamais devem acontecer. É mais ou menos “bater palma pra maluco”. Quer dizer, mais ou menos não. É na verdade, totalmente isso. Na hora, é concordar com tudo, até o “surto” acabar.
                   Legal, começamos a nos entender melhor a partir daí. 
                 O grande problema era quando ficava realmente doente e tinha que falar em um Hospital os remédios que tomava. Era a pior coisa do mundo, pois os médicos, já entendendo que era bipolar, simplesmente achavam que era coisa da cabeça dela.
                 Teve  um episódio que um médico chegou a dizer a ela que não daria remédio para dor pois ela era VICIADA em morfina. Até que o médico dela disse que não teria problema em omitir os remédios que ela tomava. Bom, não é que deu certo? 
                Chegamos nesse mesmo Hospital, só que  quem estava de plantão era outro médico, e ela deixou de informar os remédios para bipolaridade e síndrome do pânico que ela tomava. Acho que ele esqueceu de verificar o histórico anterior, ou apostou em acreditar na paciente, o que na minha opinião deveria ser obrigação de qualquer médico.
                   O resultado foi o seguinte, depois de quase trinta dolorosos dias, CÁLCULO NA VESÍCULA!!!!! Em menos de dois dias, já estava sendo operada.
               Depois  disso, LÓGICO, procuramos  o  médico  e  mostramos  o laudo do “vício” dela em  morfina. Claro que ele pediu mil desculpas. Hoje em dia se chegamos lá ele atende, sem pensar nos remédios dela, só nos sintomas.
                  Em uma outra ocasião, estávamos com ela no Hospital, com infecção urinária, deram um anti-inflamatório, e por causa do Lítio, começou uma dor de cabeça insuportável nela, que segundo dizia, era pior do que uma enxaqueca. Só não conseguimos falar com o psiquiatra dela, pois era CARNAVAL e essa pessoa estava em um lugar que o celular não pegava, ou seja, ficamos até a quarta de cinzas, aguardando ele chegar pra poder saber o que fazer, e nessa, todos os dias batendo no Hospital para reduzir as dores. 
                Descobrimos,  que  quando  se  toma  Lítio,  e  usa  um  anti-inflamatório, se não reduzir a quantidade de Lítio, ele não é eliminado, causando quase que uma hiperlitimia (excesso de lítio no organismo) e que suas primeiras reações são de fortes dores de cabeça.
                Com isso, achamos prudente mudar de médico, pois não sei se por descuido, esquecimento, euforia do Carnaval, ele tinha a obrigação de informar o número de algum colega, ou alguma emergência para se não conseguisse falar com ele.
               Por questões éticas não vou citar nomes de nenhum profissional ou Hospital, pois acredito muito que falhas acontecem.
              Mudamos de psiquiatra e achamos um anjo.  Essa médica, além de profissional, e por ter pessoas na família que trabalham na mesma área, além de explicar tudo, responde a todas as nossas questões, nos mínimos detalhes. E sem falar que, se mandarmos mensagem por celular, ela responde o mais breve possível.
                Com  isso  que  aconteceu  com  a  minha esposa, foi descoberto que a Esquizofrenia dessa parente dela, era na verdade bipolaridade, e passou a viver bem melhor com os remédios certos até os últimos dias de vida.
                 Claro  que  nesse  meio tempo, perdemos alguns amigos que deixaram ela bem abalada, pois um deles também era bipolar, mas essa, acreditamos que foi uma outra situação. Bom, mas essa temos que deixar pra lá por falta de provas. 
              Depois, vendo algumas situações, começamos a descobrir e encaixar fatos da vida, que nos levam a pessoas do meu convívio.
                Existem situações que achamos que a pessoa é alcóolatra, quer ter várias mulheres, que acha que vai ter sucesso em tudo, que acha que vai ficar “rico” da noite pro dia. Nesses casos,  muitas acabam cometendo suicídio, ou se afundam na vida, perdem família, amigos, parentes por causa de uma doença não diagnosticada.
              O bipolar, tem exatamente algumas dessas características, pois não existem limites entre os extremos. Nem na euforia e nem na depressão.
              Da mesma forma que ele se sente um semi Deus, ele logo depois se sente a pior pessoa do mundo.
              Claro  que  existem  casos  de bipolares, que não são detectados, pois são compulsivos,  por bebida, por drogas, por comida, por sexo, por compras, então em alguns casos, se passam como alcóolatras, drogados, maníacos sexuais, compulsivos por comprar coisas, acumuladores e nesse último caso por exemplo, não se torna tão nocivo para a saúde, somente para a parte financeira, mas se tiver condições financeiras suficientes, ninguém percebe.
               Existem esses casos mais  brandos. Hoje,  suspeita-se  que  80% da população tenha algum sintoma da bipolaridade, porém muitos casos são quase imperceptíveis.
              A  bipolaridade, hoje  em  dia  é  controlável, porém SEMPRE, tem que ficar observando as atitudes, os mínimos sinais para que sejam ajustadas as dosagens.
              É como uma diabete, um problema de tireóide, ou até mesmo para quem tenha problema de pressão alta. É controlar a vida inteira, tomar remédios todos os dias e regular as dosagens. 
                E claro, a terapia com um PROFISSIONAL DA  PSICOLOGIA. ISSO É IMPORTANTÍSSIMO!!!!
              A minha opinião é que vá em várias psicólogas, várias vezes, e se identificar com o estilo dela, com a forma que ela vai levar suas análises, pois há quem goste do profissional que só escuta, do profissional que só fala, do profissional que interage com o paciente. Os que usam outras terapias, ou até mesmo auxilio espiritual, ou todos juntos (psiquiatra + psicólogo + auxílio espiritual). Digo auxílio espiritual, não de uma religião específica, mas de várias religiões. A religião, Doutrina, Filosofia de cada um sempre respeitarei, pois se nessas situações, trazem ajuda e o conforto necessário para dar esse suporte, já vale muito.
             
Após esse “breve” relato, vamos a algumas dicas de extrema importância:

Primeiro aos cônjuges:

- ENTENDA!  O problema não é você, é a doença!!!! Então, se ama, fica junto principalmente nos piores momentos da vida. Esse, com certeza é um deles, e de especial atenção.
- Pergunte tudo ao psiquiatra, tire todas as dúvidas. Alguns remédios PODEM reduzir a libido sexual quase a ZERO, ou seja, a culpa não é sua nem da pessoa que está ao seu lado!!! Tenha muita paciência.
- Se notar uma mínima diferença nas atitudes (claro homens, TPM é normal, risos) ligue imediatamente ao médico para pedir orientações, e se possível levar a algum lugar que tenha emergência psiquiátrica (pelo menos no início)
- Tenha confiança no seu psiquiatra, ele será seu braço direito para o resto das suas vidas. Na  menor desconfiança, mude para outro. 
- Verifique no início da terapia, se estão sendo administrados todos os remédios de forma correta, é normal a recaída, é normal o esquecimento, e é aonde acontece o abandono do tratamento, pois alguns dos remédios ficam um bom tempo no organismo, então cria-se a falsa impressão de que a pessoa está curada. O QUE NÃO É VERDADE!!!! Isso quem vai dizer é o psiquiatra, pois podem ser reduzidos sim, e em alguns casos, os remédios quase todos, mas isso quem vai decidir É O PROFISSIONAL!!!!!
- Tenha sempre todos os números do médico, e principalmente, tenha sempre um remédio SOS na sua carteira. É normal o Bipolar se sabotar, dizer que esqueceu, ou que tomou mas não tomar. É normal no começo a pessoa achar que não precisa, então tenha sempre um remédio SOS.
 - NUNCA tente enfrentar uma pessoa no auge da crise, isso pode ser fatal, em todos os sentidos. Na hora, concorde com tudo e abrace. Todas as vezes que tentei, tive sucesso. 
- Quando tentar (o doente) entrar em alguma discussão, que você sabe que não vai dar certo, diz que concorda, e imediatamente, mude de assunto para qualquer outro. Seja qual for o assunto, irá desfocar a atenção principal dele e ele começa a entrar no seu assunto. Então, você sabendo qual assunto mais tira atenção, tenha sempre alguma carta na manga. Com a minha, todos os dias eu passava na banca de jornal e via as notícias de fofoca de novela. Quando ela ia entrar em surto, eu tocava num assunto que eu tinha lido na revista e era infalível!!!!! Na hora ela mudava, falava da novela, mesmo ainda em tom nervoso, mas ia se acalmando. Amo as novelas, risos!!!!!

Ao “doente”:

- Não se culpe, isso é uma doença como qualquer outra.
- Sim, as pessoas vão ter preconceito no trabalho e na sua vida. Claro que existem exceções, mas na maioria das vezes te olharão como se você fosse um alienígena, até o primeiro falar, que conhece gente assim, ou que tem parente assim, aí você começa a descobrir que tem muito mais gente que você imaginava com esse mesmo problema (Opa, já passou de doença para problema, o que já começa a se tornar uma coisa suportável para sua vida). Depois que passar a conviver com ela, vai começar inclusive a debochar disso, e vai começar um tal de “até você é doido que nem eu???? “ kkkkk
- Muitas vezes é diagnosticada tarde, pois precisa perder alguma pessoa importante na sua vida, ou um emprego, ou sofrer algum trauma, para que se acentue o problema, mas depois você começa a descobrir que na infância já existiam traços, na adolescência também, na fase adulta já começava a se acentuar, e depois vem o estopim.
- Tenha sempre alguém que saiba do seu problema, seja no trabalho, na família, que tenha os telefones do seu médico, psicólogo, parentes, para ligar numa emergência. Isso pode salvar sua vida.
- No início, peça ao seu médico, um remédio de SOS e tenha na sua bolsa, carteira, ou com as pessoas mais próximas, para te socorrer. Mesmo que sejam remédios para te deixar dopado temporariamente, EXCLUSIVAMENTE nos casos de emergência.
- Sim, recaídas vão existir, então para isso, deixar prevenidas essas pessoas da sua confiança, e informa-las os números do médico.


Observação 1:

Todos os relatos aqui, são de um marido, que ao longo desse tempo foi aprendendo e pesquisando, LEIGAMENTE sobre o tema. 
Não sou psiquiatra, não sou médico, nem psicólogo. Então, nas doenças ou nas relações, podem variar de pessoa para pessoa, procure antes de mais nada, conhecer bem a sua parceira e conversar com o médico sobre o assunto. E caso ela esteja em uma psicóloga, marque uma consulta, não para saber o que se passa dentro do consultório, pois isso é SIGILO profissional, mas para ela, já conhecendo melhor do que você (e isso é certo) sobre a sua esposa, poderá te dar umas dicas.

NÃO TOME MEDICAMENTOS SEM A SOLICITAÇÃO DO SEU MÉDICO, ISSO É DE EXTREMA IMPORTÂNCIA.

Observação 2:

Caso tenha alguma dúvida, sugestão, ou informação, favor entrar em contato. responderei o mais breve possível, e posteriormente, colocarei a informação aqui com os devidos créditos.